Apresentamos receita infalível para gerar profunda insatisfação junto aos candidatos a uma vaga de emprego em TI através do uso de uma ferramenta infelizmente muito comum: a mentira.
Aconteceu em Belo Horizonte no começo deste ano.
– Ôpa, Álvaro, então é um caso real?
Sim, caso real. Naquele esquema que você já conhece. Pode não ter sido exatamente em Belo Horizonte, e os nomes dos personagens certamente serão trocados como forma de proteger suas identidades.
– Ah, claro, um artigo que fala sobre mentira, né? Só podia ir por esse caminho…
Não seja assim – ou, como diria um grande amigo meu: “achei ofensivo”. Apenas os nomes são trocados, mas os fatos, em sua essência, são a total expressão da verdade. Podemos?
Em sua sala da faculdade, Zezinho era conhecido por trabalhar para uma grande empresa de TI de BH – digamos, forçando um pouco a amizade, que era o escritório do Google no Brasil.
Certo dia, Zezinho avisa os colegas da faculdade que a empresa onde trabalha está contratando. Uma única vaga, mas está contratando. Ele envia e-mail para todos com detalhes, inclusive data e local para a realização da entrevista.
Chovem interessados, é claro. Afinal, Zezinho já gozava de certo prestígio entre os colegas só por trabalhar lá e, puxa vida, quem não quer trabalhar em uma empresa cheia de dinheiro, com a promessa da construção de uma carreira sólida, bem remunerada e divertida?
– E tudo isso é mentira, Álvaro?
Não. Zezinho realmente trabalhava no Google. Só que antes. No momento em que avisou os colegas sobre a tal contratação, nosso protagonista Pinóquio não mais trabalhava lá.
– E qual o crime, exatamente?
É que a empresa contratante não era exatamente o Google, mas, sim, uma nada equivalente: a própria empresa do Zezinho, a recém-formada gigante de TI que ele montou após ter saído do Google (lê-se: ele programando sozinho em uma sala).
Veja as mancadas. Primeira: Zezinho falsamente falou em nome da empresa onde trabalhou – certamente sem autorização, até porque o pronunciamento era uma inverdade. Segunda: ele não trabalhava mais lá, embora tenha feito crer o contrário em meio aos seus colegas de sala. Mais uma decepção para o velho Gepetto, coitado.
Agora, as consequências: um monte de pessoas tiveram suas esperanças alimentadas por uma falsa comunicação. Pior, elas se mobilizaram, de alguma maneira, para aproveitar a grande “oportunidade” que, saberiam mais tarde, fora ardilosamente plantada na cabeça delas.
Agora, pense comigo. Alguns dos colegas de sala de Zezinho já se encontravam empregados. Mas, é claro, diante de uma oportunidade dessas, a pessoa “dá um jeito” de conseguir fazer a entrevista. E isso – especialmente em empresas não amplitudianas – pode significar mentir também: “estou com enxaqueca e preciso ir embora”, “minha mãe passou mal e eu cheguei mais tarde porque precisei ajudá-la” e por aí vai.
Com um dos candidatos ludibriados eu tive a oportunidade de conversar e fiquei sinceramente sentido com o relato.
Obs.: Confesso que eu mesmo já fui feito de idiota algumas vezes na vida e, pela graça de Deus, não me foi possível contemplar meu próprio rosto nesses momentos. Mas arrisco dizer que a minha expressão devia ser muito semelhante à que vi neste candidato…
Se Zezinho conseguiu ou não uma contratação através desse engodo, sinceramente, não sei, pois não tive acesso a informações posteriores. Mas não importa, pois podemos fazer uma rápida análise teórica de desastrosas complicações para Zezinho caso tenha obtido êxito em sua estratégia falaciosa.
Imagine que, entre os candidatos, há alguém com o mesmo senso de oportunismo de Zezinho. Ele vai à entrevista-golpe, faz papel de bobo ao saber da verdade, mas, munido de um sentimento de raiva e de algum desejo de vingança, aceita ir até o fim do processo e… passa.
Pronto. O que temos? Uma contratação? Aos olhos de Zezinho, sim, mas aos olhos do candidato, não. Temos a chance da desforra, a chance de levar vantagem, roubar, enganar Zezinho de volta. Temos o vírus agora muito bem plantado dentro do organismo e pronto para arruiná-lo.
– Não está exagerando um pouco, Álvaro?
Um pouquinho, sim, para ampliar o efeito dramático na reta final do artigo, mas minha exposição não é de todo inverossímil. Pense, se quiser, que o contratado não é tão vingativo assim; mas isso não apaga o fato de ele ter sido enganado. E essa foi a primeira impressão que ele teve daquele que, agora, é o seu patrão.
Que tipo de respeito e admiração o candidato – agora funcionário – conseguirá ter pelo seu chefe? Não era para Zezinho funcionar como um líder, cujo comportamento deve servir de exemplo?
Fica a reflexão sobre esse que é o grande e especial valor da honestidade: ela, ao contrário do queijo, não pode ser adquirida. Ou está lá ou não está e, quando não está, costuma deixar marcas indeléveis.
Por isso, sempre que você pretender realizar alguma atividade – contratando ou sendo contratado – procure não se render ao caminho aparentemente mais fácil da mentira.
No longo prazo – e às vezes, mesmo no médio e também no curto – costuma não compensar.
Pense nisso.