Estive recentemente no Social Media Week São Paulo e pude acompanhar alguns bate-papos que rolaram. Ao mesmo tempo que eu saí de lá com a sensação de que não existe nada de novo quando o assunto é social media, saí de lá com uma grande preocupação sobre o destino que as mídias sociais terão no país tupiniquim.
Os consumidores sempre reclamaram ou elogiaram os produtos e marcas que consomem, porém, as mídias sociais deram voz para cada um desses consumidores e as marcas que antes ignoravam essas reclamações, passaram a ouví-las com tanta intensidade como se alguém estivesse gritando-lhe em seus ouvidos.
Esses gritos começaram a incomodar as marcas, como se um grito independente tivesse a mesma força que um comercial de 30 segundos no horário nobre da Globo. E para “resolver” esses problemas, as marcas contrataram então as agências de social media, que hoje tem o papel de monitorar a presença da marca, além de propor um relacionamento com o consumidor e divulgar a marca nas redes sociais.
No entanto, agências e as marcas tem andado de mãos dadas quando o assunto é criar um verdadeiro monstro.
Até prezado momento muitas marcas ainda não conseguem lidar com as redes sociais. Muitas as encaram como mais uma forma de divulgar sua marca, como se as redes sociais fossem mídia e não canal. No entanto, ter sua presença digital nas redes sociais não implica em ganhos mensuráveis a curto prazo, mas implica em ter um real relacionamento com seu consumidor. E como as marcas encaram o relacionamento com o consumidor até hoje? Como despesa e não como solução. Para as empresas, Call center existe somente porque é necessário, pois esse é um departamento que só gera custos e não soluções.
Não quero comparar as redes sociais ao call center, no entanto, como as empresas tem muitos problemas estruturais, principalmente no que se diz atendimento ao consumidor, o relacionamento social com o consumidor que poderia ser muito mais amistoso tornou-se um verdadeiro campo de guerra, pois as redes sociais estão tendo que fazer o papel de uma espécie de “call center digital” ou então “terapia coletiva de reclamação em grupo”.
E no intuito de abafar os gritos dos consumidores que reclamam nas redes sociais, as marcas tem agido de forma desesperada, atendendo de forma prioritária a esse consumidor e deixando aquele que reclama em silêncio (nos canais de atendimento ao cliente, leia-se SAC da vida) na espera eterna. E com isso, essas marcas estão criando um problema maior para elas mesmas, pois quanto mais elas priorizam esse atendimento, mais essas marcas acostumam seu consumidor a precisar fazer barulho toda vez que quiser resolver um problema. É como educar uma criança mimada. Toda vez que ela chorar e incomodar os vizinhos, vamos dar a ela o que ela quer, enquanto aquela criança que se comporta adequadamente não recebe nenhuma recompensa, ou melhor, nenhum atendimento.
Com o aumento da presença da classe “C” na Internet, esse quadro só tende a agravar, até que chegará o momento em que por mais que o consumidor grite nas redes sociais, as empresas não terão condições de atender a tantos consumidores insatisfeitos.
As organizações deveriam funcionar como o nosso corpo humano, onde cada departamento poderia ser comparado a um órgão que quando estão em sintonia fazem nosso corpo funcionar perfeitamente. Os órgãos sempre enviam constantes feedbacks ao nosso cérebro, que é responsável por boa parte da gestão e organização dessas informações. Imagine se por algum motivo nossos órgãos passassem a trabalhar de forma independente? É isso que acontece nessas grandes organizações. Hoje, os departamentos de marketing e agências de Social Media sofrem pela falta de competência de outros departamentos que deveriam suprir a carência de atendimento de seus clientes. O Social Media virou um verdadeiro ambulatório improvisado para atender esse excesso de reclamações que deveriam ter sido atendidas por outros departamentos.
É claro que faz parte do relacionamento com o cliente, ouvir e atender suas reclamações. No entanto, isso deveria acontecer somente quando o propósito daquele canal aberto é justamente esse. Quantas vezes não vemos empresas que criam com suas agências ótimas sacadas de canais de relacionamento com o consumidor em redes sociais e esses viram um verdadeiro SAC acabando com o propósito inicial daquele canal aberto?
Tanto os departamentos de marketing e as agências de Social Media não estão preparados para atender essas reclamações. Estes estão preparados para gerar relatórios que mostram resultados e é claro, que sejam resultados positivos. Aumento de número de seguidores, aumento na adesão de uma campanha, aumento no número de influenciadores, parceria com os blogueiros, que seja. No final do mês, o importante é abafar os gritos dos consumidores, neutralizando sua influência e conseguindo mostrar um relatório bonitinho para a diretoria geral. O problema pontual daquele cliente foi resolvido e ele ficou satisfeito, a empresa também, entretanto, a organização não trabalha de forma relacional, aquele problema do consumidor ou até mesmo uma ótima sugestão acaba morrendo ali, naquele relatório. Nada colabora para a memória coletiva da empresa. Quantas reclamações de fato colaboram com o crescimento da empresa resultando na mudança dos processos?
As empresas estão sentadas em cima dos seus próprios problemas. Enquanto a preocupação delas for abafar os gritos dos consumidores e não trazer essa informação importantíssima para o coletivo da empresa e envolver todos os departamentos responsáveis, a situação só tende a piorar.
E então, eu questiono de fato, qual o papel das redes sociais. Para mim é um papel extremamente social. As marcas acabam com o verdadeiro papel das redes sociais quando impedem que seus consumidores colaborem com o desenvolvimento das suas empresas. Quando um consumidor reclama, muitas vezes, ele está fazendo um papel social.
Seja, por exemplo, para reclamar de uma embalagem não reciclável, seja para reclamar de testes realizados em animais, processos extremamente poluidores, etc. Sabemos que a maioria das reclamações são mais individuais, no sentido de resolver um problema pontual daquele indivíduo, no entanto, cada vez mais os consumidores estão se importando o que fazem em relação ao nosso planeta. Certamente as redes sociais tem um papel fundamental em reunir marcas e consumidores lutando juntos por várias causas, mas no momento ainda estamos apenas olhando cada um para seu próprio umbigo.
As redes sociais são um poderoso instrumento, que marcas, agências e consumidores tem utilizado de forma não social nesse relacionamento marca vs consumidor.
Nos Estados Unidos, gosto de citar esse exemplo, pois eu sou sempre excepcionalmente bem atendida pelos gringos, quem tem serviços lá, já morou um visitou, sabe do que eu estou dizendo. Já possuíam uma excelência no atendimento ao consumidor antes mesmo das redes sociais bombarem. Obviamente com isso eles trabalham redes sociais hoje de uma forma muito mais pró-ativa que reativa. Gosto de citar o caso da Dell que criou uma sala especializada nesse atendimento chamada de Social Media Listening Command Center, localizada no Texas. Além dos 48 especialistas que ali se encontram, eles já capacitaram mais de 5 mil colaboradores, ou seja, eles estão envolvendo toda a empresa nesse processo.
A Dell é um ótimo exemplo, que não basta a empresa contratar uma agência de Social Media, esperar no final do mês um relatório positivo de monitoramento, sentar em cima do seu próprio problema e acreditar que está fazendo sua parte.
Ter uma agência de Social Media não implica que essa empresa esteja nas redes sociais. Estar nas redes sociais é muito mais que isso, é de fato implantar o DNA da nova cultura social em sua sua empresa, onde a interação que começa no digital termina envolvendo todos os colaboradores da empresa.
Se a marca ou empresa já possui uma agência de Social Media, só deu o primeiro passo. Deixar a agência apagando os incêndios que outros departamentos deveriam fazer é no mínimo querer estancar o vazamento sem olhar para o buraco certo. As agências de Social Media deveriam trabalhar como parceiras em ideias para estreitar os laços com o consumidor. É claro que monitoramento é importante, mas não é tudo, o mais importante de fato é o relacionamento social.
Fonte: Multiplicidades