Depois da quizumba que eu arranjei com a publicação de “O TI oprimido“, preciso fazer uma justa reparação – além de revelar um segredo do articulista.
Parece nome para alguma inflamação nas tripas, mas “tripartite” apenas significa dividido em três partes, sendo esta a forma como este artigo está apresentado.
Sim, é um título suicida pensando em SEO (quem vai procurar por “tripartite” no Google?), mas ao menos chama alguma atenção… E após alguns segundos adicionais investidos para garantir a rima, eis as 3 partes: Delação, Reparação e Gratidão. Vamos a elas.
PARTE 1 – A delação
Embora “O TI oprimido” tenha entrado para a lista dos mais lidos do PTI, isso não se deu sem alguma opressão (piadinha sem graça) da minha pessoa. Houve várias manifestações contrárias, algumas mais fervorosas que outras.
Ocorre que foi, digamos, algo planejado – e, sinceramente, agora não sei se essa revelação vai melhorar ou piorar minha situação. Mas vamos lá, Álvaro, coragem. Você possui um compromisso com a verdade e com os leitores.
Anteriormente – onde O TI Oprimido foi primeiramente veiculado – após alguns artigos cheios de diplomacia e boa intenção, meu editor disse que, apesar da qualidade dos textos e do aumento dos acessos quando eles eram publicados (obrigado, chefe), ele não gostava muito desses retornos com pouco sal do tipo “concordo totalmente”, “muito bom artigo, parabéns!” etc.
– Eu quero polêmica! – disse ele.
Bem, não é ele quem assina o texto, né? Agora que a polêmica foi entregue, temos retornos com muito mais sal e até com alguma pimenta, que no artigo dos outros é refresco…
Estamos, no entanto, falando de polêmica, não de mentira, pois não faltei com a verdade em O TI oprimido. Só que, ao descrever as exceções da regra, disfarçadamente não ataquei o que acredito ser a causa do problema, acusando a falta de esforço como o único vilão da história e criando, para o proveito de todos, o gancho do artigo seguinte, que narraria a saga de nosso herói, o agora mais que famoso Angatuba Boy.
Mas sim, eu acredito que o profissional de TI é subvalorizado e, sim, acredito haver um motivo para essa desvalorização – não que a solução seja fácil, se é que existe, como você talvez concorde adiante. Trataremos dessa questão, então, a partir de agora, como forma de (tentar) reparar minha outrora evasiva abordagem do tema.
PARTE 2 – A reparação
Muitos certamente conhecem a Lei de Oferta e Demanda. Trata-se de uma relação geralmente mencionada pela Economia para explicar a oscilação nos preços dos produtos. Em miúdos, funciona assim: quanto maior for a demanda por um determinado artigo, maior será o seu preço. Por outro lado, quanto maior for a oferta desse artigo, menor o preço.
Vejamos: Existe demanda por profissionais de TI? Sim, e muita. Pela tal lei acima, então, isso deveria aumentar a valorização desses profissionais, correto? Corretíssimo.
E por que não acontece?
Por causa da outra ponta: a oferta. Existe oferta demais baixando a remuneração da rapaziada. Tem gente se formando em TI em tudo quanto é canto desse país. Mas há algo pior que isso. Muito pior.
Acontece com o segmento de TI um fenômeno que não ocorre com a maioria das outras profissões e esse é, na minha opinião, o segredo de toda a subvalorização.
Se, por exemplo, você precisa de um cirurgião para uma coisinha simples como um transplante de coração, ou de um engenheiro para uma obrinha “dois palito” como a construção de um viaduto sobre a Marginal Tietê, muito provavelmente encontrará os profissionais mais adequados na faixa dos 40 anos – ou mais.
Pense comigo. O cirurgião precisou, só para se formar em medicina, de uns sete anos, isso se não ficou “camelando” um tempão nos cursinhos da vida somente para conseguir entrar na faculdade. Depois, ele foi se especializar em cortar pessoas e, depois, habilitou-se especificamente em abrir peitos e separar costelas, adquirindo vasta experiência ao matar alguns e salvar uns outros.
Bem, isso leva um tempo danado.
O mesmo se dá com o engenheiro responsável por erguer toneladas de concreto armado sobre a cabeça de civis inocentes. É esperado que, antes disso, e por um bom tempo, ele tenha se envolvido em diversos trabalhos menores de forma a assegurar sua capacitação para esta tarefa mais complexa, mais desafiadora e mais cheia de possíveis consequências desastrosas.
Agora pergunto: dá para imaginar esse engenheiro ou aquele cirurgião na pessoa de um rapaz de 19 anos? Obviamente não.
Mas dá para um rapaz de 19 anos ser responsável por complicadas operações de TI dentro de uma empresa? A resposta é: sim. E a razão é a seguinte: o profissional de TI – assim como um jogador de xadrez – pode, facilmente, começar sua “carreira” com 9 anos, senão antes, através de um processo autodidata que pode levá-lo aos mais altos níveis de competência em seu ramo. Perceba que essa vantagem não está disponível ao cirurgião ou ao engenheiro que, com 19 anos, mal estão tendo contato com os primeiros livros – enquanto o nosso TI já tem praticamente 10 anos de experiência.
Só que uma moeda sempre tem dois lados. Essa “vantagem” faz abundar no mercado competentes profissionais de TI com idade muito baixa – e que, portanto, não precisam de muita grana (quanto precisa ganhar um rapaz de 19 anos que mora com os pais?).
Eis a chave de nosso problema. Na hora que um cara se forma na faculdade de TI e pensa em conseguir um salário interessante de uns 2.500 frangolangos, lá está o moleque de 19 anos competindo com ele – às vezes com igual ou superior competência autodidata – e topando trabalhar por cinco vezes menos.
Solução para isso? Difícil apontar um caminho… Talvez esta seja uma característica mesmo dessa atividade, como dito acima, e deixo a cargo dos comentários dos leitores sugerir possíveis saídas para esta situação.
De qualquer forma, como não me aguento, vou mencionar um ponto também já discutido em anterior artigo, que é a estratégia de agregar valor ao profissional de TI com outras habilidades e competências.
E sinto que entramos na terceira parte.
PARTE 3 – A gratidão
Não que eu queira ficar a vida toda falando a mesma coisa, mas recebi o seguinte retorno de um jovem leitor: “Após ler seu artigo ‘Programador precisa falar?’, decidi me dedicar mais às habilidades em comunicação – e também a diversas outras habilidades interpessoais. Sinto que isso realmente faltava para a minha vida e a minha carreira.”.
Claro, sou sempre muito grato pelas críticas, pois auxiliam a manter o trem nos trilhos (e, no mínimo, fornecem elementos para posteriores artigos tripartites). Mas é especialmente prazeroso ouvir comentários como este acima, que indicam a capacidade de um texto de transformar – supostamente para melhor – a vida das pessoas.
Ainda espero os comentários dos leitores, mas acredito que a agregação de “valores oratórios” permitiria a muitos profissionais escapar da ameaça TI (Teen Invasion?), especialmente por que programadores de nove anos dificilmente sabem falar.
Pense nisso.
P.S.: Não costuma ser à toa o que escrevemos aqui. É fato que o artigo realmente se referia a assuntos mais ou menos diferentes e, por isso, pedia uma divisão em partes. Mas… essa divisão tem outro propósito, muito mais maliiigno: preparar seu espírito para uma ferramenta que lhe será apresentada no próximo artigo. A gente se vê mês que vem.
P.P.S.: Deu muito certo o lance do “teen invasion”, não deu? E só surgiu na última revisão do texto. Sorte de principiante… 🙂
13 Comentários
Acho q um fator a desvalorizar também é que nos grandes centros urbanos e pólos de TI há ofertas para profissionais especializados, assim um programador ou DBA é valorizado.
Já em centros mais afastados a coisa complica, há muita demanda para o profissional que “concerta o pc” e quase nenhuma para o especialista. Isso dificulta esses lugares mais afastados de ter um crescimento na área, pois a maioria dos empregadores não diferencia um profissional especializado e o salario fica reduzido por causa da média (pq profissional de manutenção tb é profissional de TI).
E indo contra o seu artigo, não digo que é impossível um garoto de 9~10 anos ter um conhecimento aprofundado, mas isso é muito raro a ponto de não ser um exemplo tão válido.
Tenho 20 anos, sou de Bento Gonçalves RS, concordo totalmente com o artigo, comecei com 16 anos trabalhando em uma loja de manutenção e venda de computadores, ganhava um salario minimo e olhe lá, foi dificil conseguir o emprego aonde estou hoje, trabalho na TI de uma emissora de rádios e sei como está complicado arranjar emprego na área o pessoal paga pouco e sempre tem um que faz por menos e o problema é que não precisa ter diploma nessa área, basta entender o assunto, saber formatar um pc instalar alguns programas e deu o cara está contratado, mas isso não é tudo, já perdi emprego para meninos de 17 anos que só faziam isso e aceitaram trabalhar pela metade do salário que eu iria ganhar, só que as empresas não pensam em colocar alguém qualificado e sim qualquer um pra eles está bom e isso está cada vez mais desvalorizando nosso cargo, muita gente hoje faz faculdade de engenharia mas trabalha como suporte de TI ou até mesmo coordenador e nem na área da faculdade está, pois qualquer um sabe formatar um pc e colocar ele na rede não é?
Algo que poderia ajudar na reversão desse quadro seria um conselho de classe, que nossa área não tem. Pra um médico, contador, engenheiro (e outros) atuarem, precisam ter um registro no conselho de classe, certo? Na TI deveria ser igual. Se você não tem graduação e registro, não pode desenvolver software, não pode projetar uma rede. Isso já eliminaria os “meninos de 9 anos” do mercado e valorizaria quem buscou conhecimento. Daí você pode me dizer: ah, mas tem muitas pessoas que não tem faculdade e são mais competentes pra desenvolvimento que jovens recém formados… tudo bem, também tem muito farmacêutico prático que entende mais de medicina que clínico geral recém formado, e nem por isso a área é poluída.
Concordo em Gênero e Grau, Eu tenho 21 anos e faço parte de uma das maiores empresas de tecnologia da America-Latina no cargo de Analista de Infraestrutura Sênior e muitos aqui estão cientes que eu não ganho mal,não possuo Superior mais tenho certificações Microsoft e CCNA eu costumo dizer que gente que topa trabalhar por muito menos que o cargo costuma pagar é gente que não sabe como as coisas andam ou esta terrivelmente desesperado para trabalhar eu tenho a seguinte conclusão que profissionais de T.I que estão desesperados para arrumar um emprego certamente são profissionais pouco qualificados ou incompetentes, esse tipo de profissional a empresa costuma correr… Eu SEMPRE! oriento os meus amigos, nunca! Nunca! desvalorize a sua profissão se não, qualquer pessoa vai achar que pode faze-lo e garanto que qualquer imbecil pode achar um tutorial na internet mais ninguém vai executar um trabalho de qualidade como nós que entendemos como funciona ate aquela vírgula ou o porque passamos o cabo de uma forma e não de outra… Não é porque não tenho faculdade que vou me humilhar para uma vaga ganhando menos que eu devia, se você Não tem competência para tal vaga não se candidate e deixe para os adultos trabalharem…
Mas no caso discordo do colega que fala que TI, é formatar um PC e instalar um programa, quem faz isso a meu ver é o “micreiro” que só faz isso não pensa diferente, ganha dinheiro? sim ganha! Mas é no “bico” ou empregado mas nunca vai evoluir economicamente só com isso.
Um programador, DBA, gerente de rede ou algo que necessite estudar e nao apenas ver vídeos no google, ou seguir um tuto da web!
Pensem nisso, TI não é formatar, nem trocar placas, fontes ou outro hardware, ao menos não só isso.
Publiquei no Linkedin, no Grupo Gerentes de Projetos, um debate citando sua matéria, fazendo um alerta onde o tal fenômeno da “teen invasion” também pode ocorrer, devido à facilidade cada vez maior dos softwares de gestão.
Concordo em partes com o artigo…Tenho 24 anos e sou estagiário em um banco de médio porte em nível nacional.Bem, comecei o contato com a TI aos 16 anos e acho que a maioria dos jovens começa a entender algo sobre TI formatando máquinas, instalando impressoras, configurando um roteador do vizinho, etc
Para tal assunto, a quantidade hoje de tutoriais e manuais é muito grande (na época até que era menor, o que me forçava a ser considerado um “fução”).Comecei a aumentar o meu campo de visão quando entrei em uma empresa pequena que tinha um servidor, diversas estações de trabalho e vários vendedores conectados remotamente, onde os termos “disponibilidade” e “continuidade” entraram na minha vida e eu era o único profissional de TI responsável por toda a gestão desses ativos e serviços…
Hoje, estou em um ambiente de TI totalmente segmentado, onde pude perceber mais ainda a importância de cada área e como cada uma é fundamental para “manter o processo de negócio”.
Concluindo, a TI não se resume em “botar para funcionar” e sim proporcionar que o processo de negócio ocorra com segurança, disponibilidade, continuidade, planejamento e diversos outros fatores. Creio que um garoto de 18 anos ainda não possua essa visão e é aí que entra o diferencial.
Eu penso que o profissional de TI no Brasil não muita escolha. Ou trabalha ganhando menos do que merece ou vai para o exterior. Alguém recém formado ou com pouca experiência consequentemente vai ganhar pouco. Muitas empresas ainda não investem tanto o quanto deveriam para o TI.
Parabéns excelente texto
Concordando com o Fellipe no post acima:
Bom, essa segmentação seria absolutamente possivel e é o que as outras e diversas áreas em seus diversos ramos são exigidas: Sindicato/ Conselho responsável (CREA, CRO, CREF),para prestar tal mão-de-obra, e responsabilizar o profissional também.
Se existisse um CRTI, com absoluta certeza esses cargos ocupados por (Teen Invasion) diga-se de passagem adorei o termo <3, Seriam extintos, pois subdividiriam a área e caso a fiscalização viesse, a empresa iria responder por não ter um profissional qualificado para exercer tal função, logo desprostituindo feat despoluindo a área.
E concordando também com o post do Cardoso:
É amigo o Brasil é retrógrado e mal instruido em relação a TI, não existe uma valorização da empresa para com o empregado recém-formado, o mesmo que além de nao ter a vivencia do mecanismo, adapta-se lentamente, e alem disso não vai ter a oportunidade relacionada á sua experiencia (Ninguem tem paciencia pra quem ta começando).
No meu caso, sou analista de TI em um escritório de contabilidade e posso dizer que onde trabalho um “teen invasor” não entraria, haja vista que antes de me contratar tentaram alguns “garotos” para tal função e estes simplesmente desistiram no 1º dia ou nem terminaram o 1º dia. Sou graduado em Logística e trabalho com Informática desde os meus 11 anos de idade. Hoje com 35 sem nunca ter saído da área. Não me considero inferior mas admiro muito aquele que consegue se formar na faculdade e atua na sua área de formação, porém eu pude fazer a minha faculdade já casado e com um bebê recém nascido. Gostaria eu de poder ter tido a chance que muitos tem do pai pagar os estudos até a sua formação e somente depois buscar colocação profissional. Mas lá com os meus 11 anos já era officeboy da empresa onde meu pai trabalhava. A experiência e o conhecimento são fundamentais nessa área. Me atualizo com cursos em instituições como o Senac por exemplo que entregam material de qualidade e bons professores. Há mercado para todos e concordo que os mais bem preparados tenham que ganhar mais, porém se o mercado não se abrir para os mais jovens, nunca mais teremos profissionais com experiência.
Acho que o problema de valores de TI está em quem emprega e não no empregado. Normalmente trabalhamos para quem não entende nem do próprio negócio e quer modernizar seu negócio criando sistema digitais que em diversos momentos não refletem nem o próprio negócio do cliente. É assim: o contratante não tem uma estrutura organizacional e funcional útil na empresa e conversando com outros do seu ramo ouve que na empresa A o problema foi resolvido implantando um sistema criado pelo programador/analista Y. Ele então entra em contato com o analista Y e solicita o mesmo sistema mas com adaptações para a empresa dele. Quando o analista lhe envia a proposta de desenvolvimento, o contratante acha caro e troca o analista por um sobrinho que aceita fazer o sistema por 30% do valor proposto inicialmente pelo analista.
O contratante contrata o sobrinho. Este leva 4 vezes mais tempo desenvolvendo o sistema que não reflete em nada a fraca estrutura do contratante. Não supre suas necessidades, que muitas vezes não podem ser corrigidas pelo sistema, mas por ele mesmo se organizando em suas rotinas na empresa. Finalmente ele volta ao analista solicitando que o mesmo siga de onde o sobrinho largou o projeto e quer que o analista transforme a calça jeans já cortada em um paletó aproveitando todas as aparadas de código mal montado pelo sobrinho. E pelo mesmo preço do sobrinho.
Parabéns pelos excelentes texto, o portal , sua pessoa e todos os colegas que colocaram seu ponto de vista .