Com a palavra, o carrasco

Em entrevista exclusiva com um ícone da sociedade universitária sorocabana na área de TI, tive acesso a uma série de importantes considerações sobre o mercado, os alunos e… o terror.

NOTA: Essa entrevista se refere a um conhecido professor da FATEC de Sorocaba, SP. Embora algumas características possam ser muito particulares e regionais, muitas das opiniões do professor valem, certamente, para alunos de todo o país.

Quanta honra!

Depois de passar alguns anos ouvindo todos os alguns alunos reclamarem da mão pesada do professor Levi, ataquei de repórter e fui recebido por ele para uma agradável conversa onde pude ouvir o outro lado da história.

Imagem via Shutterstock

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E quem pensou que, encerrando o semestre, iria se ver livre do algoz, cá estou eu, a oferecer esse belo artigo-presente-de-Natal com o relato de nossa conversa – e ainda dividido em duas partes, para durar as férias inteiras…

Claro que eu não seria louco de atacar o ponto nevrálgico logo de início, afinal, se ele me considerasse inoportuno já de cara e me expulsasse daquela bela faculdade cheia de árvores, eu não teria nada para escrever aqui. A prudência me aconselhou, portanto, a começar tratando de outras questões igualmente interessantes, porém, menos agressivas, deixando somente para o final a pergunta que não queria calar.

Utilizarei o formato das falas de cada um precedidas pelas iniciais “A” (Álvaro) e “L” (Levi), mantendo entre colchetes quaisquer comentários adicionais meus – possivelmente desnecessários, inclusive – que faço apenas aqui, para você leitor, mas que não fiz no momento da entrevista.

A: Levi, falemos um pouco do mercado de TI e das características do curso da FATEC para atender às necessidades desse mercado.

L: Bem, Álvaro, o mercado está aquecido. O profissional de TI é muito requisitado em praticamente todas as áreas e, hoje, o país dispõe de 200 mil postos que não se encontram ocupados – a maior parte em sistemas da informação (desenvolvedores).

A: E a que você atribui isso?

L: Há diversos fatores, mas um dos que mais impacta é a alta taxa de desistência por parte dos alunos.

[por sua causa? – brincadeirinha…]

A: O que acontece, exatamente?

L: Muitos alunos ingressam em nossos cursos mas não compreendem que os objetivos a serem alcançados demandam tempo e esforço. Eles querem uma solução imediata para tudo e, quando percebem que não vão simplesmente aprender uma linguagem e sair programando, mas, sim, aprender as bases, os fundamentos – o que inclui matemática avançada, algoritmos etc. – julgam muito difícil e, diante desse cenário, acabam optando por abandonar. Mas, veja bem, não há outro caminho. Se – em uma área dinâmica como a nossa – ensinarmos apenas uma linguagem ou uma metodologia específicas, amanhã essa linguagem ou metodologia fica ultrapassada e o aluno não consegue trabalhar. Por outro lado, se ensinamos os fundamentos, o aluno consegue se adaptar a qualquer linguagem, a qualquer metodologia.

A: Ensinando a pescar em vez de simplesmente dar o peixe?

L: Exatamente. Além disso, a FATEC tem um formato muito semelhante ao das faculdades francesas e alemãs.

A: Sob que critério?

L: A proximidade do mercado. Nossa estratégia prioriza a colocação do aluno no mercado – claro que não a qualquer custo, mas através de um preparo consistente, razão pela qual, por exemplo, os dois últimos semestres do curso da manhã são realizados à noite, permitindo ao aluno lançar-se em busca de estágios no momento do curso em que ele já se encontra preparado para isso.

A: Você não recomenda, então, que o aluno comece a trabalhar logo a partir do primeiro semestre?

L: Bem, o ideal é que ele vá trabalhar quando estiver um pouco mais preparado, com mais a oferecer. Mas há todo o tipo de caso. Um aluno que já esteja trabalhando quando começa a faculdade, por exemplo, não tem por que largar o emprego – e muitas vezes nem pode. Mas o normal é o aluno passar por uma sequência que inclui quatro níveis de conhecimento.

[nessa hora eu me lembrei do artigo previamente escrito para este prestigiado site onde eu cito quatro níveis de competência – mas, como você verá, Levi e eu não estamos falando exatamente da mesma coisa quando usamos esta imagem quadrilátera]

A: E quais seriam esses níveis?

L: Resumidamente, no primeiro o aluno sabe que o conhecimento existe; no segundo, sabe que existe e aplica teoricamente; no terceiro, aplica praticamente, ainda no ambiente da faculdade; no quarto, aplica profissionalmente, ou seja, trabalhando em uma empresa.

A: Mas, ainda sobre o binômio trabalho-estudo, você percebe uma correlação direta entre o aluno estar ou não trabalhando e seu desempenho em sala de aula?

[perceba a hábil utilização do termo “binômio” para parecer que eu entendo muito mais do assunto do que realmente ocorre…]

L: Não, varia bastante. Tem aluno que melhora quando começa a trabalhar – fica mais esperto, compreende melhor as matérias. Tem aluno que piora, às vezes porque perde o foco nos estudos, às vezes porque fica muito sobrecarregado e não consegue acompanhar.

A: Alguma recomendação específica para esses alunos sobrecarregados?

L: Sim, e muito simples, embora não tão óbvia quando o aluno entra na faculdade. Um cara que trabalha e é arrimo de família não está em condições de manter o mesmo ritmo que um cara que só faz faculdade e nada mais. E o primeiro não tem a opção de parar de trabalhar, então, deveria pegar mais leve. O cara não é obrigado a terminar a faculdade em três anos. Programando-se para levar mais tempo, o desempenho dele poderia ser bem melhor.

[sensatez mode on]

A: A solução seria, então, um balanceamento melhor da carga? É como se o cara quisesse abraçar o mundo com um braço curto demais?

[metáfora besta do entrevistador]

L: Sim, exatamente.

A: E sobre linguagens de programação, Levi? Na empresa onde eu trabalho nós somos uma exceção, pois a quase totalidade de nossos projetos é feita em Delphi, uma linguagem considerada ultrapassada por alguns teóricos mas que, no nosso caso, parece atender muito bem aos nossos clientes em seus projetos antigos e complexos que não parecem ter grande justificativa para serem migrados.

L: Em time que está ganhando não se mexe.

A: É mais ou menos como pensamos. Mas, ainda assim, você acha que podemos correr o risco de estar defasados? Pergunto pois ouvi dizer que você seria um defensor do próprio Delphi…

L: Na verdade, a grande linguagem para mim é o COBOL. Veja a estabilidade, veja a adoção pelas instituições bancárias – que, aliás, segundo penso, ainda usarão COBOL por muito tempo. Mas o Delphi, ah, sem dúvida é uma linguagem poderosa e que vem sendo atualizada constantemente. Não se trata de uma linguagem ultrapassada. Na verdade, ela é muito versátil. Você consegue fazer tudo em Delphi. Você programa em C# dentro do Delphi, se quiser.

A: Mas podemos dizer que é uma tendência, ao menos no meio acadêmico, de não mais dar foco a essa linguagem, certo? Por exemplo, todos os meus colegas de trabalho que programam em Delphi o aprenderam lá na empresa mesmo, tendo tido contato com o assunto nas suas faculdades apenas sob a matéria “história da programação”.

L: Sim, é verdade. A ênfase hoje é em linguagens como o C# e o Java (por sinal, a curva de aprendizado do Java é bem maior que a do Delphi) e a única faculdade de Sorocaba que ainda ensina Delphi como matéria é a UNISO, onde eu também leciono. Aliás, se precisar de indicação de uns caras bons de Delphi, posso passar.

A: Infelizmente, creio que precisarei aceitar e rápido. Já que tocou no assunto, aproveito para compartilhar um leve receio do momento. Você está a par do quão voraz a empresa GFT está para contratações neste momento? Ouvi dizer que eles querem preencher 60 vagas até o fim do ano e estão indo nas universidades com força total.

L: Sim, eles vieram aqui também. Aliás, antes, a GFT tinha um nível de exigência muito alto para a contratação…

[momento em que eu indelicadamente interrompi o entrevistado]

A: Pois é, até uns amigos brincavam que eles queriam para estágio um profissional com experiência equivalente a uma pessoa com 10 anos de carreira…

L: […] é, mas agora não vão poder manter esse nível se estão planejando tantas contratações em tão pouco tempo. Normalmente, quando eles precisam, eles nos procuram e nós indicamos alunos, é claro. Mas dessa forma como estão precisando agora, não me lembro de ter acontecido antes.

A: É o mercado aquecido, como falávamos no início. Das 200 mil vagas, aí estão 60…

L: Sem dúvida. Mas é importante haver uma estratégia para a retenção desse profissional.

A: Um plano de carreira, talvez?

L: Sim. O profissional não será programador a vida inteira. Evoluções naturais devem conduzi-lo a Analista, DBA, Gerente de Projetos etc.

A: E o salário em si, puro e simples? Você acredita ser ele o principal atributo para a busca de um emprego por parte do profissional?

L: Sem dúvida que faz diferença, mas, definitivamente, não é tudo. Uma coisa que percebi é que, muitas vezes, apenas o aumento salarial não é tão significativo, pois ele acaba sendo incorporado nos custos do profissional e não é percebido como grande vantagem. Um prêmio por performance, por outro lado, pode significar mais, mesmo que seja um item simples, como um tablet, ou uma viagem, atrelados à conquista de um resultado que, para a empresa, custaria muito mais caro se não fosse atingido. O destaque dessa conquista, para o funcionário, pode representar mais que um simples aumento.

[Fica a continuação/conclusão reservada só para o ano que vem. Até lá, vá pensando nisso tudo aí…]


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