Cada vez mais estamos conectados: em casa, no trabalho, com familiares, com antigos amigos da escola. Todas estas conexões, no entanto, estão fazendo com que nos desconectemos de algo.
Quem acha que está tudo certo com a nossa sociedade levanta a mão…
O ser humano é meio complicado, talvez por sua complexidade, talvez principalmente por sua diversidade – já que, quando falamos “ser humano”, assim, de forma tão abrangente, estamos igualando em uma só categoria seres como Gandhi e Adolf Hitler.
Essa complicação pode ser observada através dos conflitos inerentes à nossa raça, e nos mais diversos setores, como o das fervorosas passeatas contra a Copa do Mundo no Brasil seguidas do esgotamento de todos os ingressos horas após terem sido disponibilizados para a venda.
Na área da tecnologia não haveria de ser diferente. Vemos todo o tipo de comportamento estranho quando do uso de sites, softwares e gadgets atualmente disponíveis para nos facilitar a vida.
Hoje, relato dois casos reais para suscitar reflexões sobre o verdadeiro papel que a tecnologia deveria ter em nossas vidas.
Caso I – a teleconferência presencial (?)
Certa vez, trabalhei com uma pessoa singular (à qual daremos o nome de João), um profissional com distinta visão sistêmica, extremamente prestativo e trabalhador – de fato, um pilar sobre o qual a empresa se apoiava, sendo sempre o primeiro a chegar e o último a sair.
Além disso, era uma pessoa boníssima – João, se você estiver lendo isso, saiba que é uma das pessoas mais bondosas que eu já conheci e sou grato por sermos amigos. #OpenHeartMoment
Passadas poucas semanas de contato no trabalho, descobrimos um ponto em comum: ambos gostávamos de aventuras na selva. Sim, digo “aventuras na selva” para enaltecer nossa virilidade tarzânica, mas estamos falando mesmo é de passear em trilhas por aí. Melhor ainda: descobrimos um terceiro elemento na empresa que também adorava uma incursão ecológica.
Pronto. Estava formado nosso grupo de exploração. As expedições ocorriam mensalmente e, como trabalhávamos juntos, era fácil trocar ideias sobre atividades, locais, distâncias etc.
Quer dizer, era para ser fácil…
Em um dado momento, lá pela terceira expedição, nosso amigo João propôs que usássemos uma ferramenta online para postar os destinos que gostaríamos de conhecer. Era como um fórum, onde poderíamos sugerir as ideias, adicionar fotos…
Eu já estava achando tudo aquilo um pouco demais, visto que ficávamos, no mínimo, 8 horas juntos todos os dias e não julgava necessário todo esse aparato para combinar uma saída de um dia pelas matas das redondezas.
Mas o mal ainda não estava totalmente exposto. O que parecia apenas grande afeição pela tecnologia e conhecimento das ferramentas disponíveis se transformou em um aparente sintoma de doença com o seguinte comentário entusiasmado de João para nos convencer:
– E nós podemos votar, depois, em qual destino queremos ir!
Votar?! Três pessoas (você disse três mil, Álvaro? – ah, não, são só três mesmo) que trabalham juntas todos os dias no mesmo lugar vão votar nas próprias ideias que elas colocaram em um site?
E se a doença não está diagnosticada com segurança até aqui, acompanhe a evolução do quadro de nosso paciente. Quando demonstramos alguma insatisfação com a utilização da ferramenta, o argumento para nos tranquilizar foi:
– Gente, tudo bem, não precisa ser esta ferramenta. Tem muitas outras que…
Percebe? Ele não era capaz nem de notar o problema, que não era a ferramenta, mas o modus operandi (chique esse termo, não? – eu uso sempre que tenho a chance). Éramos pessoas reais, dividindo um mesmo escritório real e com apreço por passeios em trilhas reais. Por que toda aquela complicação? Sinto que, atualmente, quando perguntam ao João “Qual o seu nome completo?” ele responde “João Arroba Gmail.” #LostAFriendMoment
A ideia do fórum nunca vingou, é claro, pois, se deixada agir com total liberdade, a mente de nosso colega possivelmente nos conduziria à prazerosa experiência de cada um passear sozinho em um lugar diferente, mas levando consigo um celular via satélite para ficar permanentemente em (virtual) comunicação com os outros dois lobos solitários.
Bobos solitários?
Caso II – iTeta
Após o nascimento de meu príncipe-herdeiro, passei a estar em contato com uma infinidade de fraldas de cocô uma grande diversidade de assuntos relacionados a essa nova fase da minha vida.
Um deles foi o aleitamento materno. Sabemos o quão importante é para o bebê que esse processo se desenvolva bem, tanto sob o ponto de vista fisiológico quanto psicológico. O que não sabíamos é que era algo tão difícil.
Vendo os animais e a facilidade/naturalidade com que tudo acontece, achamos que será da mesma forma conosco. Mas não é. Diversos fatores podem dificultar – vê como eu aprendi? – e até mesmo comprometer de forma definitiva a amamentação, inviabilizando-a. Minha esposa e eu vivemos um pouco desses problemas e, não fosse pela ajuda de uma excelente profissional na hora certa, creio não teríamos conseguido sozinhos.
Parênteses: após essa experiência, minha esposa se encantou tanto pelo assunto que fez cursos na área e hoje ajuda outras pessoas que passam pelas mesmas dificuldades (e, para garantir o jabá revestido de serviço de utilidade pública, segue o link para a página dela no Facebook).
Contudo, junto das histórias felizes também há algumas tristes: uma mãe descobriu que havia um aplicativo no iPhone para controlar o tempo das mamadas, a permanência do bebê em cada um dos seios, com alarmes, cronômetros etc. Tudo isso depois era analisado, exibido em gráficos… Infelizmente, porém, não houve muitos dados a serem processados. Tanta era a preocupação da mãe com a alimentação dos dados no dispositivo que o dispositivo principal a ser alimentado por alguma razão “perdeu a conexão” e parou de mamar.
E isso, aliás, é o que grande parte de nós está perdendo por estarmos tão conectados: a conexão.
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Fica o alerta aos que podem estar perdendo boa parte da vida ao se esquecerem que ela – a vida – existe também fora das telas dos computadores.
Para você ter uma ideia, em livro que li recentemente, o autor fala sobre mães que, nas redes sociais, se declaram para seus filhos dizendo que os amam mas que, ao vivo, passam muito longe disso.
Isso para não mencionar o absurdo, inimaginável e inacreditável caso do rapaz chinês que vendeu um rim para comprar um iPad.
Muitas pessoas assustadoramente não veem qualquer problema nessa transmutação, onde a second life se torna mais importante que a “first life”, permitindo que a tecnologia tome o lugar antes pertencente à razão, ao discernimento, ao bom senso e à verdadeira conexão entre os (tão diversos) seres humanos.
Pense nisso.
Obs.: Dessa vez eu realmente caprichei para dar trabalho ao Google. Desde a época da publicação de Tripartite eu não encontrava um termo tão estúpido para deixar meu artigo totalmente à margem dos resultados de busca. Levo 38 segundos só para conseguir digitar “overgadgeted“…
7 Comentários
Concordo e procuro disseminar este tipo de ideia, porém muitas vezes é como falar com árvores.
Perfeito Álvaro, parabéns pelo excelente artigo e pela iniciativa para conscientizar o uso moderado dos dispositivos móveis e da tecnologia
Ah, Bruno, mas é só utilizar o aplicativo iTreeTalking!
🙂
Álvaro, indivíduo verborrágico, tergivesador, poetastro. Péssimo artigo. Espero que não censurem.
“É penoso ouvir roucos cantarem e ver mancos dançarem; mas saber de mentes limitadas que filosofam é insuportável.”
Arthur Schopenhauer
Obrigado por compartilhar o artigo, Alvaro!
Bela postagem realmente muitos estão perdendo a realidade, para ficar no mundo virtual estão se transformando em pessoas chatas, e sem histórias para contar aos seus filhos netos e etc…!
A Klain Kuiner,
No Amplitudo há ainda muito mais conteúdo sobre o qual você pode opinar!
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😉