OS PARADOXOS DA WEB NUNCA DEIXAM DE ME SURPREENDER.
Desde que o Wikileaks e Snowden trouxeram a tona o grau de falta de privacidade, espionagem e monitoramento, ficamos revoltados com a possibilidade de sermos constantemente acompanhados por um “Big Brother”, vigiando cada passo no mundo virtual. Surpreendentemente (ou não) essas mesmas pessoas tornaram popular, e cada vez mais polêmico, o aplicativo Secret que tem por objetivo o compartilhamento, de forma “anônima”, de seus segredos mais indiscretos com “amigos” da rede social.
A ideia central do App não é ruim: Falar livremente, compartilhar o que você está pensando com amigos e estranhos de maneira anônima pode ter seus atrativos, principalmente para a geração mais nova e que está cada vez mais interconectada. Um dos posts mais populares repete que “Fora do Brasil o Secret é usado para ajudar pessoas com problemas sérios, apenas no Brasil que virou bagunça”.
E é exatamente ai que os problemas começam a acontecer. Enquanto alguns segredos compartilhados no Secret são indiscretos, mas voluntários, o aumento exponencial dos usuários do App levou a massificação de posts contendo desde bullying, calunia e difamação e até mesmo divulgação – não autorizada – de material constrangedor, como fotos íntimas. Nos colégios, onde a maior parte dos usuários são menores, é comum a publicação de textos ofensivos ou montagens envolvendo colegas de classe.
O caso é que a maioria dos usuários imagina que a identidade de quem publica seus segredos no Secret será mantida secreta. Resposta curta: Não! Um – dentre muitos casos – de publicações vexatórias incluía não só fotos indiscretas, mas o nome da pessoa envolvida, juntamente com acusações de participação em orgias, além de ser portador de HIV – ambas acusações refutadas pela vítima. Isso faz parte de uma ação judicial contra o App, pedindo que o post fosse removido (já foi) e que os responsáveis fossem identificados. Claro, a empresa informou que não divulga dados de seus usuários de forma extrajudicial, mas com o andamento do processo, é quase certo que seja revelado quem criou a publicação.
Infelizmente a realidade do usuário da web no Brasil, mostra o quanto ainda somos “inocentes” quando o assunto é relacionado à legislação, crimes e infrações digitais. A proposta do Secret é ser um App onde usuários anônimos podem postar qualquer tipo de mensagem, que é comentada, compartilhada e curtida por outros usuários também anônimos. A verdade é que, apesar de zelar pelo anonimato de seus usuários, o Secret possui registros que identificam diretamente os usuários às mensagens e comentários de sua autoria, e que, sob mandado judicial, pode revelar a identidade de usuários à Justiça. E lá se foi o anonimato.
A grande questão não é o App em si, que tem até uma filosofia interessante. O grande desafio é o comportamento do usuário básico da web brasileira, muitas vezes menor de idade e que não tem noção de que toda ação tem uma consequência, e que privacidade é uma expectativa irreal mundo virtual.
Mesmo que o Secret seja removido da loja do Google, certamente outros aplicativos parecidos vão surgir quase na mesma velocidade dos clones do Angry Birds. A única solução que tem uma remota chance de funcionar bem, é investir desde cedo na educação do usuário brasileiro. Iniciativas como palestras e programas de conscientização não devem se restringir ao ambiente corporativo, mas ser iniciada ainda nas escolas e universidades. Precisamos urgentemente de uma inclusão digital inteligente, que privilegie o bom comportamento e explique as consequências para quem violar regras de conduta.
Quanto ao Secret, fica a dica: Vai postar um segredo? Esteja preparado para assumir que você foi o autor e enfrentar eventuais processos se você tiver ofendido alguém ou cometido um crime. Claro, se você identificar um post com conteúdo vexatório, inapropriado ou que te afete negativamente, procure imediatamente um advogado especializado e siga com um processo para lidar de forma adequada com a situação.
1 Comentários
Realmente essa ignorância digital é uma das “pragas” da internet… Obrigado pelo artigo!