Muito se fala em inovação digital, há uma corrida desenfreada por partes de algumas empresa para recuperar o tempo perdido. Eu falo algumas empresas, por que, por incrível que pareça, tem empresas que ainda enxergam tecnologia como despesa e preferem continuar colocando suas forças nos modelos tradicionais de negócios e de vendas.
Além destas, existem empresas que enxergaram o movimento que está acontecendo e conseguem perceber que a tecnologia está mudando a forma como produtos são vendidos. Porém, estas empresas estão totalmente perdidas, querem participar mas não tem a menor ideia de como entrar neste movimento tecnológico.
A situação é crítica, pois o máximo que diretores, gestores e donos de empresa entenderam é que precisam ter um setor de Inovação Digital dentro da empresa, então contratam algumas pessoas ou remanejam alguns colaboradores, colocam em uma sala com uma placa INOVAÇÃO DIGITAL e pronto, acham que já estão alinhados com o novos tempos.
Os diretores ficam tão aliviados com a criação deste novo setor que o esquecem e voltam a fazer mais do mesmo, indignados e sem entenderem por que não conseguem atingir metas e por que a concorrência que antes era irrelevante começa a incomodar.
Este artigo foi baseado no excelente texto do Alberto Serrentino e Eduardo Terra e reflete a visão sobre a transformação digital no varejo. Vou tentar dar uma visão mais clara sobre inovação, por isso, adaptei o texto com minha opinião direcionando-a para os profissionais de TI.
A primeira coisa que precisamos entender é que clientes não se relacionam mais com canais de vendas, mas com marcas, eles transitam entre os canais físico e digital à medida em que comparam opções disponíveis e decidem onde e como comprar.
O varejo precisa ficar atento às mudanças de comportamento dos consumidores, pois é analisando os pequenos momentos de desejos, necessidades e demandas que o varejo vai construir um modelo de negócio integrado, onde é possível conhecer e entender os clientes, dominar processos, gestão de produtos e informação.
Inovação digital não é simplesmente “Marketing Digital” ou “Redes Sociais”, é uma transformação organizacional e cultural.
Inovação digital não ocorre pela implantação de tecnologias, mas pela mudança da maneira como as pessoas entendem:
- A relação da marca com o cliente;
- Os processos da empresa;
- A forma de usar tecnologia e o mundo digital.
Inovação digital acontece com o desenvolvimento de cultura digital. A mudança cultural deve ser uma diretriz estratégica, alinhada entre conselho e direção e descer para toda estrutura organizacional (top down). É preciso repensar o atual modelo de gestão para que haja engajamento dos colaboradores e stakeholders.
Um processo de venda não tem nada a ver com o que a direção pensa, o processo precisa ser focado nos consumidores e em como gerar mais valor para eles.
Sendo assim, inovação digital não é simplesmente um projeto, mas um aperfeiçoamento permanentemente de processos e do modelo de negócios. O progressivo amadurecimento e as boas práticas permitem consolidar fatores críticos de sucesso, que seguem abaixo:
Infraestrutura de tecnologia para inovação digital
Os diretores comerciais não vão gostar, mas tenho que dizer: muitos clientes não querem ir na sua loja, eles não se importam com o seu prédio, fachada, localização, mostruário, belos vendedores bem treinados, etc. No mundo digital o cliente quer comprar de onde ele estiver e não quer problemas na sua experiência de compra.
Então a empresa vai precisar estar presente em todos os canais, além disso, para oferecer aos clientes esta “boa” experiência de compra o varejo precisa “enxergar” seus estoques em tempo real e em diferentes filiais e canais, precisa também reconhecer e monitorar o mesmo cliente em diferentes pontos de contato. A chamada “omnicanalidade” demanda uma forte infraestrutura de tecnologia e dados.
Resumindo você, é preciso “investir” e os investimentos em armazenagem de dados, segurança da informação, comunicação de dados entre outras iniciativas não é pequeno, mas é um elemento determinante no sucesso da transformação digital para as empresas de varejo.
Eu vejo diretores, gerente e donos de lojas olharem este cenário apavorados com os gastos enormes que vão ter que fazer em tecnologia. É compreensível, mas é preciso uma nova visão sobre este tema.
Sabe aquela porcentagem que é para investimentos, aquela ampliação de loja ou a compra de novas lojas? A empresa vai simplesmente pegar este valor e “investir” em tecnologia, pois é isso que a concorrência está fazendo.
Mobilidade
O mundo está passando por uma revolução digital impulsionada por smartphones e sua presença cada vez maior no dia a dia das pessoas.
Números do Ministério das Comunicações mostram que 55% dos brasileiros com mais de 10 anos de idade (ou 96,4 milhões de pessoas) têm acesso à internet, contra 65,9 milhões no início da década.
Tão importante quanto o acesso é a intensidade e forma de uso: um estudo do Google aponta que cada pessoa busca informações em seus celulares cerca de 150 vezes por dia. Para muitos, o celular é a primeira tela, a principal forma de interação com o mundo.
Se o celular é tão presente no dia a dia, não surpreende que as principais empresas do mundo sejam companhias de negócios digitais, como Apple, Google, Amazon, Uber entre outras.
O eixo central da inovação digital está na mobilidade. É em aparelhos móveis que consumidores passam mais tempo conectados, transitam entre canais, se relacionam, se informam e que processarão a maioria de suas compras digitais (o que já acontece nos EUA, Reino Unido e China).
Aplicativos e sites móveis serão a base de comunicação, relacionamento e interação entre marcas e consumidores, dentro e fora das lojas.
O maior exemplo é o da Apple Store, no qual a plataforma Isaac permite aos vendedores gerenciar filas, consultar estoques, separar produtos, escanear itens, processar vendas, trocas e reparos, recomendar produtos complementares, vender serviços, receber meios de pagamento ou vender em outro canal.
A importância dos dados
O mundo digital desafia as empresas a basearem seus processos decisórios em dados e análises, esta mudança é cultural e demandará novas competências e habilidades. Na sede do Google, uma frase bastante citada e mencionada em reuniões diz que “os dados vencem a opinião” (data beats opinion). Por trás desta frase existe um conceito essencial para o sucesso da inovação digital: o uso de dados em todos os processos de tomada de decisão nas empresas de varejo.
Decisões sobre preço, promoções, sortimento, compras, expansão, serão cada vez mais baseadas em dados. O uso de dados exige que os mesmos sejam transformados em informação que geram decisões que por sua vez geram resultados.
Há entretanto uma barreira nas empresas de varejo: a falta de uma cultura digital. Muitas decisões são baseadas em intuição, em opiniões o que atrasa e dificulta a inovação digital. Vale lembrar que startups e as empresas “nativas digitais” não sofrem deste mal e crescem com decisões mais rápidas e precisas.
Decisões baseadas somente nas opinião e experiência dos velhos diretores é praticamente um tiro no pé. É importante investir em tecnologia e bons profissionais para ter uma grande quantidade de dados para auxiliar na tomada de decisões.
Agilidade e colaboração
Projetos e iniciativas devem ser constantes, rápidos, usando prototipagem para ganhar velocidade. No mundo digital, velocidade é mais importante que perfeição, é preciso estimular o erro correto e a capacidade de testar conceitos com velocidade e baixo risco para a empresa.
É muito difícil aprender tudo sozinho no ambiente digital, a velocidade e pulverização da inovação força as empresas a se abrirem e compartilharem, isto inclui contratar novos profissionais capacitados e aproximar-se de startups, que podem acelerar e simplificar a resolução de problemas que a burocracia das empresas estabelecidas torna mais complexos
Tecnologias para ficar de olho
Internet das coisas (IoT), realidade virtual, realidade aumentada, inteligência artificial e machine learning desafiam o varejo a entender estas tecnologias e aplicá-las para aumento de produtividade e gerar valor aos clientes. Atualmente o que vem causando impacto é o “comércio conversacional” (conversational commerce), a união de dispositivos com reconhecimento de voz e inteligência artificial.
Plataformas como Alexa da Amazon, Siri da Apple, Cortana da Microsoft e Google Now do Google transformarão a maneira como as pessoas se relacionam e interagem com o mundo digital. A principal interface para acesso ao mundo digital será a voz, máquinas inteligentes conseguirão interpretar demandas e irão aprender na interação com o usuário.
Online para Offline – O2O
No inicio se imaginava que se lidaria com o fenômeno conhecido como “showrooming“, onde cada vez mais clientes usariam lojas físicas para pesquisas e conhecer produtos, mas fariam suas compras online pelo menor preço encontrado.
Isso ocorre sem dúvida, mas em dimensão menor que a prevista, de outro lado cresce o fenômeno inverso, o chamado “webrooming“, onde os clientes pesquisam produtos online mas continuam indo até as lojas físicas para efetuar e concluir suas compras.
Os dados de fluxo no varejo americano (lojas físicas) vêm caindo bastante, mas as vendas do varejo físico não caem na mesmo proporção o que prova a tese de que os clientes estão indo aos shoppings e ao varejo físico para de fato comprar os produtos e a Internet tem sido cada vez mais usada como fonte de pesquisa, entendimento e apresentação de produtos e serviços.
Esta relação do varejo físico com o varejo online tem sido chamada de O2O (online para offline). Exemplos simples de clientes pesquisando endereços de lojas físicas, telefone, horário de funcionamento, são cada vez mais comuns nesta relação entre o físico e o virtual.
O varejo físico tem usado mídias digitais e estratégias digitais para atrair público para suas lojas e o varejo online tem usado o varejo físico como solução de entrega de produtos, posto de trocas. Esta relação do físico com o digital deve crescer muito nos próximos anos e a aquisição da Wholefoods pela Amazon só reforça esta ideia.
Modelos de negócio
O mundo da tecnologia vem sendo transformado pela computação em nuvem e pela dominância de modelos de negócio baseados em serviços. O mundo do varejo precisa ter abertura para questionar seus modelos de negócio.
A Apple constituiu uma empresa de serviços (Apple Enterprise) que vende a terceiros a tecnologia que encanta consumidores em suas lojas; o operador de shopping centers Westfield foi pioneiro em transformação digital e montou empresa de serviços digitais para explorar o conhecimento acumulado; empresas como Staples e Best Buy vêm mudando a forma como seus negócios geram receita e resultados.
O Magazine Luiza se define como uma empresa digital com lojas e vislumbra um modelo de negócios de marketplace multicanal.
Cultura digital
Um frequente erro cometido por grande parte das empresas é acreditar que conseguirão implantar inovação digital apenas com iniciativas digitais e investimentos em tecnologia. Contratar uma agência de marketing digital, estar presente nas redes sociais ou desenvolver uma operação de e-commerce são passos importantes, mas eles fracassam caso não exista uma cultura digital sobre a qual essas iniciativas possam ser estruturadas e construídas.
Peter Drucker disse certa vez que “a cultura come a estratégia no café da manhã”.
Isso significa que, sem um trabalho forte e prévio de desenvolvimento de uma cultura digital, iniciativas digitais, ainda que boas, provavelmente irão fracassar.
E como se constrói uma cultura digital corporativa?
Uma competência organizacional gera valor percebido pelo cliente, provoca diferenciação em relação aos concorrentes e pode ser expandida. A cultura digital deve ser tratada como uma competência essencial para as organizações e precisa ser colocada dessa forma nos processos de contratação, nas iniciativas estratégicas e na avaliação dos executivos.
Para o desenvolvimento da cultura digital como competência organizacional, é preciso mergulhar no mundo digital.
Por isso, a empresa precisa fazer com que seus colaboradores (especialmente os executivos) adotem hábitos digitais como: usar o Uber, ficar hospedado pelo Airbnb, acessar conteúdos via YouTube, manter contas em redes sociais, todos são passos simples e pequenos, mas importantes para que as pessoas adotem uma cultura digital, mudem seus comportamentos, hábitos e, paulatinamente, viabilizem a transformação corporativa.
O grande desafio de uma mudança de cultura está no fato de que os gestores das empresas tradicionais são analógicos, e por isso não possuem um modelo mental digital. Em vez de “nativos digitais”, eles são “imigrantes digitais”, estão se adaptando a uma nova realidade.
Por outro lado, os mais jovens, os “nativos digitais”, não têm experiência de gestão, liderança e estratégia, mas dominam as ferramentas necessárias para implementar a transformação cultural.
Por isso, os gestores precisam aprender com os jovens e os jovens com os gestores.
Os ambientes de trabalho contribuem para mudança cultural. Espaços rotativos, ausência de salas, executivos integrados com seus times, escritórios com cara de campus universitário ou verdadeiras “garagens” são exemplos frequentes no Vale do Silício.
O ambiente de trabalho dos espaços de coworking e das aceleradoras reforçam esta ideia e startups defendem que é em ambientes assim que as ideias, a inovação e disrupção acontecem.
A mudança para uma cultura digital é um elemento determinante para as empresas de varejo e de muitos outros segmentos, nesse processo de ruptura e inovação que já começamos a presenciar e que, certamente, só veremos acelerar nos próximos anos.
Repensar a estrutura organizacional
A base de uma cultura digital provoca grandes discussões a respeito das novas estruturas organizacionais. Tomando o Vale do Silício como modelo, fica evidente que mesmo as grandes empresas têm migrado para estruturas organizacionais mais leves, colaborativas, flexíveis e com menos hierarquia, burocracia e reuniões intermináveis.
Pensar a transformação digital sem uma nova estrutura organizacional é querer construir um edifício novo em uma fundação antiga.
Talvez este seja um dos desafios mais complexos para as empresas de varejo, pois empresas com modelos mais modernos de gestão como Spotify, Google e as grande maioria das startups não têm um modelo único.
O fato é que as características mencionadas acima, colaboração, flexibilidade, leveza, velocidade e menos hierarquia estão presentes em todos os casos bem sucedidos de novas estruturas organizacionais.
Fica claro também que as mudanças nas empresas da chamada velha economia precisam ser feitas em etapas, mais no formato de “evolução” do que no formato de “revolução”. Isso para que a cultura e as pessoas possam absorver e entender o novo modelo.
Salvo nos casos nos quais o setor esteja sobre ameaça de ruptura por novos modelos de negócios, nos quais as empresas precisarão de transformações radicais para sobreviverem.
Transformação digital é muito mais abrangente que venda online e multiplicação de canais, ela envolve repensar a forma da marca se comunicar, relacionar e servir seus clientes, o desenho organizacional, a cultura da empresa e a evolução de seu modelo de negócios. Empresas como Apple, Sephora, Walmart, Magazine Luiza, Boticário, Reserva e Bob’s compreenderam o desafio.
Conclusão
Parece simples olhar para os gigantes do varejo e sugerir mudanças de cultura e na estrutura organizacional de uma empresa tradicional.
Mas infelizmente não sou eu e outros autores que estamos dando simples opiniões sobre este assunto, esta é atual realidade do mundo em que vivemos, as tecnologias surgem e a criatividade humana direciona para o que elas serão usadas.
Sendo assim, rapidamente surgem novas maneiras de interação e soluções novas para velhos problemas.
Para o varejo e para qualquer outro setor vai ser um desafio constante, pois não é possível prever nada, não é a tecnologia em si que afeta o negócio, mas sim como os clientes e usuários utilizarão estas tecnologias para o consumo.
Neste cenário o profissional de TI passa a ter cada vez mais importância dentro das empresas de varejo, desde de que tenha competência, as habilidades necessárias e rápida capacidade de adaptação a novas tecnologias.
Eu já dei dicas sobre carreira de TI, sobre as skills necessárias e comentei sobre os recrutadores, mas não fiz isso com objetivo de defender profissionais de TI medianos. Assim como o mercado está sendo implacável com as empresa de varejo, também está sendo com os profissionais de TI que nestas trabalham.
Estamos passando por uma fase de adaptação e um conflito de gerações de profissionais, por enquanto não está sendo fácil ser um profissional de TI, mas o futuro promete.
Ótimo trabalho a todos!
Este artigo foi publicado originalmente em Diário de TI.
1 Comentários
Muito válido e pertinente suas observações.
Estou vivenciando isso em minha volta, sou profissional de TI (somente graduação) e estou fazendo uma pós em Big Data e Ciência de Dados para ser mais especialista e sair da área de infra estrutura que estou há 15 anos..
Obrigado.