O “tráfego” na empresa de TI

Veremos como é importante ter os olhos abertos a diferentes áreas do conhecimento. Tomando ideias emprestadas de outros lugares, podemos melhorar nossa eficiência em TI. Um texto um pouquinho espichado, mas cheio de esperança… 🙂

Você já deve ter ouvido falar sobre a diferença entre conhecimento especialista e conhecimento generalista. Se você precisa de um neurocirurgião, por exemplo, desejará que ele possua alto conhecimento especialista – é a sua cabeça, literalmente, que está em jogo. Pouco importa se ele entende de pagamento de impostos ou de relacionamento interpessoal. Só não pode é tremer com o bisturi na mão.

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Imagem via Shutterstock

Por outro lado, o diretor do hospital onde ele trabalha pode, teoricamente, até mesmo não ser médico. Para ele, são mais importantes os conhecimentos generalistas, pois ele precisa interagir em várias frentes e, em cada uma delas, possivelmente contará com um especialista para lhe ajudar.

E o que isso tem a ver com o profissional de TI?

O objetivo de iniciarmos o artigo com essa ameaça de hemorragia é falarmos sobre (1) o conceito de multidisciplinaridade e (2) o cotidiano de uma agência de publicidade.

Piorou? Então vamos aos esclarecimentos.

Ao trabalhar em uma agência de publicidade, conheci uma função muito interessante: o tráfego. Sua missão era conciliar a falta de planejamento insana as solicitações dos clientes com a capacidade de atendimento da agência. E se você está percebendo traços de angústia neste texto, deve ter concluído que conheci essa interessante função sendo eu o tráfego

Obs.: Já jogou cabo de guerra? Um time de um lado, outro do outro e uma corda no meio. Cada time precisa puxar a corda para o seu lado e quem puxar mais ganha. Então, ser tráfego é fazer isso, só que com umas 15 cordas ao mesmo tempo em diferentes direções – e, às vezes, parece que o cara do seu time está puxando a corda para o lado contrário.

Depois de algum tempo, eu saí da agência, mas até que gostava daquele enrosco. Tanto que fui trabalhar em uma empresa de TI e levei para lá o conceito de tráfego, não por gostar de sofrer, mas por gostar de resolver – afinal a ideia, se bem aplicada, é realmente muito boa.

Os benefícios para a nossa então pequena empresa de TI foram nítidos e imediatos. Com as entradas mais organizadas, melhoramos o atendimento e aumentamos a produtividade. E esses dias, demos mais uma ajeitada na coisa e melhoramos ainda mais.

Se você pesquisar por multidisciplinaridade, encontrará na Wikipedia um cara chamado Jean Piaget dizendo o seguinte: “a multidisciplinaridade ocorre quando a solução de um problema torna necessário obter informação de duas ou mais ciências ou setores do conhecimento”.

E qual o problema que eu buscava resolver? Um dos mais comuns nas empresas de TI: o atendimento conforme o grito do cliente a dificuldade em gerenciar os processos.

Nota: Já vi empresa de TI com 40 funcionários não dispor sequer de um PABX básico com alguns ramais. Havia apenas uma linha e um telefone sem fio que passeava o dia inteiro até encontrar o profissional com quem o cliente precisava falar. Qualquer semelhança com o local onde você trabalha é mera coincidência…

Na prática, é a mesma realidade da agência de publicidade. Há uma demanda externa, há a necessidade de atendê-la, e administrar esse fluxo é uma tarefa muito delicada e dinâmica.

Obs.: Perceba que a própria agência de publicidade já se beneficiou da multidisciplinaridade, pois tomou de empréstimo o termo tráfego da engenharia de trânsito com seu congestionado ambiente de trabalho – as ruas da cidade – cheio de gente querendo passar e ninguém querendo dar passagem (realmente, as funções se parecem muito).

Agora, pergunto: tráfegos nas empresas de TI que você conhece?

Arrisco dizer que não. Há programadores, certamente. Às vezes, um departamento de suporte separado – mas, normalmente, são os próprios programadores, que não gostam muito disso. Quando a coisa começa a crescer um pouco, aparece a figura do gerente de projetos.

Mas tráfego, não.

Acredite, o tráfego não precisa nem saber programar. Digo por experiência própria… Lembra do diretor do hospital que precisa interagir em várias frentes mas não necessariamente precisa ser médico? É essa a ideia.

E se o gerente de projetos também for o tráfego? – pergunta você.

Minha opinião? O ideal é que o tráfego se preocupe exclusivamente em organizar o processo, sempre atento às solicitações dos clientes e à capacidade interna, às vezes ociosa, às vezes sobrecarregada. Esse acompanhamento confere a ele autoridade até para interromper um projeto em favor de outro – tipo de poder que, normalmente, o cliente pensa possuir…

Em nossa empresa, sempre separamos a função de gerente de projetos da de tráfego. Enquanto o primeiro cuida apenas que o trabalho dos programadores seja (bem) realizado, o segundo se atém à organização da salada. Trabalhando sinergicamente, esses dois profissionais produzem muito mais. Ganha a empresa, ganham os clientes.

Sei que, como possível profissional de TI assalariado, talvez você não tenha condições de efetivamente implementar essa ideia no local onde trabalha. Mas talvez possa sugerir ao dono da empresa e ele aceite.

Ou talvez você venha a ser o dono em breve e, aí sim, já conhecerá uma excelente prática para organizar o seu trabalho.

Pense nisso.


10 Comentários

Vinicius Fagundes
1

Excelente publicação!
Minhas reflexões já apontavam para este caminho e é muito bom ver que compartilho das mesmas idéias que você.
Parabéns

Andrey Kurka
3

Bacana mesmo o artigo, Álvaro!
Hoje, esta figura de tráfego, é bem representada pelo Scrum Master em empresas que adotam o SCRUM. Este profissional, preferencialmente, não deve ser um programador e nem um especialista de negócios. Ele é responsável por fazer o processo andar dentro dos trilhos do SCRUM, integrando equipe técnica com especialistas de negócios. Quando li seu artigo, enxerguei imediatamente o Scrum Master. Seu conceito captado na agência de publicidade está perfeito e venho implantando o SCRUM com grande sucesso em empresas. Escrevi 5 artigos aqui no PTI a respeito do Scrum. Vale a pena ler e comprar com a sua vivência. Abraço.

Álvaro Nascimento Vieira
5

A Vinicius e Cassio, agradeço pelos elogios. Do lado de cá também é bom saber que mais gente pensa “que em eu”… 🙂
A Andrey, gostei do paralelo que fez e peço, se possível, o link para os seus artigos, de forma que eu possa dar uma olhada.

Fhillip Rodrigues
7

Excelente artigo!
Aproveito e deixo uma observação,
Ter uma visão holística do negócio, com seus processos de ponta a ponta ajuda a padronizar e priorizar as entradas, gerando produtos consistentes e repetíveis. E Sempre que possível, fazer uso de ferramentas automatizadas!
Ao ler o artigo também me veio na cabeça o papel do Scrum Master, que é um gestor do processo e não de pessoas.
Parabéns Alvaro.

Fernando Rego
8

Excelente post. A percepção externa da importância de TI cresce junto com a própria TI e organizar essa salada é fundamental. O papel do organizador se soma ao do integrador (não só de tecnologias, mas de frentes) e com uma mente criativa, este profissional será sempre um agregador e gerador de soluções. Tenho me perguntado para onde “cresceria” minha carreira em uma organização e encontrei em seu post uma boa direção. Parabéns.

Álvaro Nascimento Vieira
9

A Fhillip, agradeço e pontuo que o amigo Andrey, em seu comentário, também citou o Scrum Master como desempenhador desse papel. Estou aprendendo co vocês mais do que vocês comigo!
A fernando, agradeço especialmente pelo estímulo da parte final de seu comentário. Saber que o que escrevemos pode servir para auxiliar as pessoas que leem é o melhor pagamento para a atividade de escritor. O segundo melhor – disputa acirradíssima – é o dinheiro mesmo… 🙂

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