Tecnologia no Brasil: desenvolvimento e prosperidade de um lado, escassez de mão de obra e insegurança jurídica do outro

Brasil, o país do futuro que nunca chega, ou chegou e alguém o escondeu?

Como celeiro do mundo, o País tem um imenso potencial para o desenvolvimento de diversos setores. Agora, é preciso focar nas soluções para os desafios existentes e encontrar maneiras de continuar fomentando a inovação e competitividade interna. A atual estabilidade política e econômica assinala um futuro promissor, com previsões de uma SELIC consolidada no patamar de 4,5% e a inflação entre 3,5 % a 4,0%, e com o legislativo e executivo focados em resolver o emaranhado fiscal – mas com altíssimo risco de complicar a situação.

Quando olhamos especificamente para o setor de tecnologia da informação (TI), combustível essencial para a transformação digital que serve como base para modelos de negócios disruptivos ao gerar inúmeras oportunidades, todos os indicadores são extremamente positivos.

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De acordo com o último estudo “Mercado Brasileiro de Software e Serviços” da ABES com a IDC, o crescimento do setor de TI no Brasil está acima da média mundial, e totalmente descolado do PIB brasileiro. Em 2018, registramos um crescimento de 9,8% contra a média mundial de 6,7% – em 2019, a expectativa é de um crescimento interno de 10,5% contra 4,9% global. Considerando esses dados, o desenvolvimento do setor em 2020 não deverá ser diferente, chegando perto de 15% e, quem sabe, atingindo a marca de US$ 60 bilhões em faturamento, ultrapassando o Canadá, que atualmente é o 8º maior mercado mundial, uma posição acima do Brasil.

Outros indicadores que corroboram com uma expectativa positiva para 2020 são os resultados de estudos da EY, Deloitte e McKinsey, que apontam, respectivamente, que 80% dos CEOs veem a inovação tecnológica como forma de manter a empresa competitiva, 74% dos executivos deverão adotar novas tecnologias, e 73% das empresas buscarão novas soluções tecnológicas, como Indústria 4.0.

Reforçando a importância da tecnologia e inovação para o desenvolvimento do País, um levantamento feito em 2017 pela Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores) e o MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) apontou que havia 363 incubadoras de negócios inovadores e 57 aceleradoras, com 3.694 empresas incubadas, responsáveis pela criação de 14.457 postos de trabalho. Pouco tempo depois, a Lavca (Latin American Venture Capital Association) informou que cerca de US$ 2 bilhões foram investidos no Brasil em 2019, o que certamente ajudou no surgimento de 11 unicórnios brasileiros e na criação de inúmeras outras startups e empresas brasileiras.

Agora, considerando o lado do consumidor, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que 70% dos brasileiros (126,9 milhões) usam smartphones e que o País é o quarto em número de usuários de internet – de acordo com o Global Digital Report, o Brasil é o segundo colocado na média de uso da internet, com 9,5 horas por dia por usuário. Desta forma, conseguimos perceber a forte relação entre o desenvolvimento de negócios digitais inovadores, apoiados pela tecnologia, e seu impacto na população, que pode ser exemplificada com a proliferação de plataformas online que visam simplificar processos diários do consumidor, como o NuBank, QuintoAndar, iFood, entre outras.

Olhando para um futuro não muito distante, dados indicam que o IoT pode gerar um ganho para a economia brasileira na ordem de US$ 200 bilhões até 2025. O estudo da ABES com a IDC aponta para um crescimento nesse mercado acima de 20% ao ano até 2022 e demonstra que em 2018, o IoT gerou cerca de US$ 7 bilhões e deve atingir a marca de US$ 9 bilhões em 2019. Adicionalmente, para a PwC a Inteligência Artificial se tornará a maior oportunidade comercial, podendo contribuir com US$ 15,7 trilhões para o PIB mundial em 2030 – na América Latina o impacto poderá chegar a US$ 500 milhões, representando 5,4% do PIB da região.

Por outro lado, apesar dos indicadores positivos, existem inúmeros desafios que rotulam o Brasil como um país que não é para amadores, o que, infelizmente, ainda é verdade. De acordo com o Relatório Global de Competitividade, publicado em 2019 pelo Fórum Econômico Mundial, apesar do avanço positivo de uma posição, o Brasil está na 71ª entre 141 países, enquanto o IGI (Índice Global de Inovação) aponta uma queda da 64ª para a 66ª posição entre 129 países. Na América Latina, o Brasil segue atrás do Chile (51º), Costa Rica (55º) e México (56º), por exemplo.

Ainda assim, há um otimismo generalizado e o governo e a sociedade não estão parados. Existem diversas ações para reverter o quadro, como a aprovação da MP (Medida Provisória) de Liberdade Econômica; o Marco Legal de Startups; Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil; o Programa Nacional de Incubadoras e Parques Tecnológicos, a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital), e também diversos fóruns de diálogo com o setor produtivo através das Mesas Executivas Setoriais, Câmara Brasileira da Indústria 4.0, entre outros.

Entretanto, existem dois pontos extremamente preocupantes que podem limitar o crescimento do setor de TI e impactar o desenvolvimento da economia brasileira: a escassez de mão de obra qualificada e a guerra fiscal entre estado e municípios. A qualificação de mão de obra é um desafio sem solução a curto prazo, porém nota-se claramente uma união do setor privado, da sociedade e do governo na busca pela reversão desse quadro, com o surgimento de diversas iniciativas e ações ligadas a qualificação e, principalmente, fomentando a educação na área de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), como o MeuFuturo.Digital e Movimento Brasil Digital.

Já a guerra fiscal é um assunto extremamente crítico. Em 2017, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) autorizou os Estados a cobrarem ICMS na comercialização de software, mas não discutiram com os municípios para suspenderem a cobrança de ISS, deixando o setor sob risco de extinção em consequência da bitributação. Agora, o tema entra na pauta do Supremo em 2020, que decidirá o vencedor dessa guerra: o Estado ou o Município. Justamente quando o congresso discute uma ampla reforma tributária, que certamente definirá um novo formato tributário para o setor.

O esperado é que o setor continue sendo tributado pelo ISS Municipal, como sempre o foi, pois uma decisão favorável ao ICMS criará um passivo gigantesco, onde certamente nenhuma empresa terá condição de arcar com esse passivo, com multa e juros, principalmente porque os municípios não ressarcirão as empresas pelo ISS pagos.

Por que não esperar a reforma tributária para resolver esse impasse? Porque é mais fácil complicar do que facilitar. Quem investirá em um setor com alto risco de virar pó?

Rodolfo Fücher

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Atualmente é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software - ABES, com o propósito de colaborar na construção de um Brasil mais digital e menos desigual, sócio fundador da FEMP Participações, cujo objetivo é fomentar o empreendedorismo, e membro do conselho da SOFTEX.

Mais de trinta anos de experiência no mundo digital, construindo parcerias com governos, elaborando políticas públicas por meio de coalizões de associações da indústria, definindo investimentos em responsabilidade social corporativa e filantropia, desenvolvendo estratégias de marketing corporativo e estruturando áreas de vendas.

Experiência internacional: 6 anos nos Estados Unidos e 6 meses no Extremo Oriente e Europa, com experiência em negociações internacionais e fechamento de parcerias com entidades multilaterais, como a Organização dos Estados Americanos, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, e com os governos de toda a região da América Latina.

Nos últimos anos, dedicado a ampliar o meu conhecimento nas áreas da transformação digital e habilidades de gestão; estudando como a estratégia digital irá liderar a próxima geração de empresas, na Columbia University; compreendendo a dinâmica dos mercados globais, no MIT; aprimorando as habilidades de governança corporativa no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa; aprendendo sobre o mundo do capital de risco, na UC Berkeley; entendendo o impacto da neurociência nos negócios, na Wharton - Universidade da Pensilvânia; e convergência tecnológica na Singularity University.

Vários prêmios sobre melhores práticas e desempenho, incluindo o Global Government Affairs Award em 2014, funcionário da área Top Performer em 2011, Worldwide Group Outstanding Contributor 2008, Worldwide Citizenship Best Impact 2006, Worldwide Best Practice Winner 2002, Latin America Best Practice 2001 e Latin America Top Manager em 2000.

Pós graduação em Marketing (ESPM), graduação em Ciência da Computação (Universidade Mackenzie), Gestão de Campanha e Governança Política (George Washington University - Escola de Pós-Graduação em Gestão Política), especialização em CSR/Terceiro Setor (FIA-USP) e estudante convidado em Mestrado no curso de Administração e Economia (FEA-USP).


1 Comentários

Andrey G Santos
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Esta é uma discussão necessária e que vai definir o rumo do nosso mercado em TI. Tributação sempre foi uma questão mal resolvida para a comercialização de softwares desde a explosão das lojas de aplicativos. Lembro de um evento da Nokia onde o assunto foi abordado porque os desenvolvedores sofriam com a bitributação.
Em relação à falta de mão de obra especializada, fui para as salas de aula entender o que estava acontecendo. Chegavam em minhas mãos bons currículos mas, na prática, o profissional não correspondia à formação ou certificações. A cura do nosso país está na educação. Educação séria, comprometida com o ensino profissionalizante e de qualidade. Consegui formar uma turma do Ensino Médio Técnico com o mesmo nível de um curso superior, então passei a buscar soluções para isso. Infelizmente não é possível transformar escolas que têm uma visão comercial em vez de pedagógica. Enfrentei inúmeros problemas com mantenedores cegos por dinheiro. Mas eu arrisco a dizer que há uma solução para a qualidade da mão de obra em TI…

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